sexta-feira, 20 de maio de 2011

SUSPENSÃO CORPORAL ATRAI E INTRIGA CURIOSOS

Por Fernanda Fioravanti Machado
Pela 2ª vez na Virada Cultural, a modalidade leva o público a observar a peculiar comunicação do indivíduo moderno com a história e conhecimento milenar
Olhos vidrados, câmeras apostas, respirações contidas e total atenção a um palco. Qualquer movimento brusco corre o risco de ser notado com maus olhares. Música ao fundo, uma televisão ligada no centro. Cordas vindas do teto e presas a ganchos que perfuram a pele de um jovem. Concentração e expectativa é o que paira no ar densamente. 


Quando as cordas começam a serem repuxadas, o espectador involuntariamente sente-se sendo suspenso em sincronismo com o jovem. Num piscar de olhos, ele é levantado até conseguir subir na TV. Ao descer, balança seu corpo para frente e para trás sem encostar os pés no chão repercutindo gritos travados na garganta da plateia. Quando finalmente volta ao concreto e corta as cordas, o público solta em coro um suspiro de alívio. O artista se curva em agradecimento e uma onda de aplausos se espalha pelo Largo do Paissandu, na República. Essa foi a cena que permaneceu por cerca de 30 minutos no segundo dia da Virada Cultural em São Paulo. O Largo foi palco das Artes e Modificações Corporais.
Dentre as atrações, o que predominou foram quatro performances de suspensão corporal. Com duração de apenas meia hora cada e realizadas pela Equipe Frrrkcon, as suspensões atiçaram os curiosos  e os praticantes desde as 22h30 de sábado até a última suspensão às 14h do domingo. E foi no último espetáculo que o jovem Thiago Soares, vulgo T. Angel, se apresentou. 
Thiago tem 29 anos e cursa História no Centro Universitário Fieo em Osasco. Teve seu primeiro contato consciente com a modificação corporal e com a suspensão aos 23 anos de idade, mas já interferia em seu corpo desde os 14. Suas primeiras leituras sobre a suspensão foram em 1998. Alguns anos foram necessários para sentir-se suficientemente maduro para a realização do processo. 


Inicialmente, diz ter sido tomado pelos sentimentos de medo e incapacidade, mas depois só houve espaço para a liberdade, força, paz e realização pessoal.  Thiago afirma que é através do corpo que questiona o mundo o qual pertence. “Muito embora os temas que eu discuto nem sempre são fascinantes, mas reconheço a emergência em abordar cada um deles através da arte e tão logo do corpo”. 
Para ele, por existirem várias formas de ser suspenso, cada experiência fornece sensações diferentes, mas sempre havendo uma busca. A primeira foi a do auto-conhecimento físico e mental, sem separá-los. Hoje, utiliza a suspensão dentro do campo da arte da performance, sempre havendo uma discussão como base. “A que realizei durante a Virada Cultural 2011 era sobre a fadiga das velhas teorias sobre a sociedade/mundo que ainda nos contam”.
Mas o que muitos não sabem é que a Suspensão Corporal teve origem há milhares de anos em diferentes tipos de culturas. Vários povos utilizavam-na (e ainda utilizam) como pretexto de religiosidade, cultos espirituais, fetiche ou apenas pela adrenalina produzida. Com o passar do tempo, o costume ficou mais conhecido e começou a atrair a atenção de pessoas ligadas a sensações extremas, os chamados "adrenaline junkies" (viciados em adrenalina) que aperfeiçoaram as técnicas criando novos meios de suspender o corpo usando ganchos perfurados na pele.
O processo é extremamente delicado e deve ser feito com muito cuidado por profissional da área com grande experiência, para que não ocorram graves ferimentos. O corpo da pessoa é examinado para que sejam decididos os melhores lugares, quantidade e tamanho dos ganchos de metal que serão inseridos. Encontrar os locais e as quantidades de ganchos apropriadas envolvem boa dose de habilidade matemática e compreensão incisiva de anatomia humana e fisiologia, bem como sobre a resistência da derme do indivíduo.
Thiago enfatiza que tanto na modificação corporal como na Suspensão, nem tudo pode-se dizer que é arte. “A suspensão é uma ação muito forte e dependendo do contexto em que está inserida a energia é potencializada, acho que isso é o que me fascina. São tantas emoções numa corrente ‘in’ e ‘out’ que me comove”. Adverte ainda que é uma prática que exige determinados cuidados e que requer um bem estar do praticante. Indica comer e dormir bem, e evitar drogas já que quanto mais “limpo” estiver, melhor será a percepção e exploração do que a suspensão proporciona. Além disso, assegura que o corpo é mais forte do que podemos imaginar: “os limites que nos colocaram a vida inteira são falsos”. 
Porém, há sempre o outro lado do espectador. Além dos que admiram, há os que não gostam, mas respeitam. E sobretudo, como em qualquer tipo de expressão, há os que repugnam e não veem sentido algum em pessoas sendo suspensas no ar para “sentirem dor”. Para Thiago, no que se diz respeito à prática da suspensão, acredita que o Brasil não está atrasado ao comparar com outros países. Aqui há bons profissionais e uma abertura cultural grande, mesmo que ainda em formação. É o que não ocorre em países como os da Europa. “O problema do Brasil em relação do preconceito é outra. Considerar toda manifestação corporal como arte é um problema sério. Arte não é lugar comum”.




2 comentários:

Berto Batalha disse...

É exótico e de extremo profissionalismo. Infelizmente a ignorância da sociedade - sem generalizar - não permite admirar este tipo de arte.

Gostei do texto! Os dois primeiros paragrafos são bem poéticos, depois a matéria desenvolve o restante (muito bom).

Fernanda Machado disse...

Muito obrigada pelo comentário Berto!
Realmente poucas pessoas veem beleza por trás dessa arte e tipo de expressão.
É realmente impressionante passar pela experiência de apenas admirar enquanto a suspensão é preparada e realizada. Indico a todos que nunca presenciaram.