quarta-feira, 27 de abril de 2011

UNIVERSO IMPRESSO É DIVIDIDO EM PLANETAS

Por Fernanda Fioravanti Machado
Tarde da noite, silêncio, apenas uma luminária para guiar os últimos segundos antes do profundo mergulho em um mundo onde o decorrer da viagem depende somente do passageiro. A cada virar de página um personagem, um cenário e uma trama são descobertos e ao desenrolar da história percebe que as folhas estão terminando, o clímax ainda está no auge e o tempo está se esgotando, mas espere aí! A viagem vai acabar tão rápido assim? O passageiro então corre e engole as palavras para chegar o mais rápido possível no último ponto final, mas melhor que um, ele encontra três. Sua jornada é prolongada, seu final feliz ainda está distante e assim, o prazer do mistério continua latejando em cada sentido de Carla Monteiro. 
Carla tem 22 anos, estuda Engenharia Industrial e herdou de seus pais a sede por tramas de ficção, aventura, mistério e policial que a fazem devorar cada vírgula e de vez em quando um romance para amenizar a adrenalina. Porém, mais que apenas livros, é fascinada por trilogias, pentalogias e o que vier pela frente. Realmente não se importa se vai demorar meses para chegar ao final, já que possui um prazer indescritível em comprar grandes séries, ler e expô-las em sua estante, e a cada noite admirá-las deixando sua imaginação flutuar em meio aos títulos de cada volume tentando, em vão, adivinhar o que virá em seguida.
Mas ultimamente Carla não está nem um pouco satisfeita. Ficou duas semanas viajando pelo interior de São Paulo com a companhia apenas de dois livros muito bem indicados por uma amiga próxima. Porém, não recebeu uma informação um tanto quanto crucial: a série “House of Night” de P.C. Cast, que aparentemente possuía apenas mais um volume para formar uma trilogia, na verdade era composta por mais dez continuações. 
No primeiro instante, Carla ficou animadíssima em saber que ia ser obrigada a pregar mais uma prateleira na parede de seu quarto para acomodar sua mais nova série gigantesca, mas seu entusiasmo foi arremessado janela afora quando acessou em um site de buscas e descobriu que no Brasil só foram publicados sete dos 12 livros e o oitavo chegará só em junho deste ano. “Eu realmente não acreditei! Já li os sete livros publicados aqui, estou terminando o oitavo em inglês pela internet, mas meu coração aperta cada vez que penso que ao termina-lo não terei nem uma versão em mandarim para matar minha curiosidade dos próximos capítulos”.
Do outro lado, Davi, 27 anos, vendedor há quatro anos da Livraria Saraiva aposta todas as suas fichas que as séries de livros estão em alta, pois os escritores descobriram que conseguem prolongar sua fama, ter maior visibilidade, ganhar leitores fiéis e acima de tudo ter uma retribuição financeira mais alta ao escrever uma história e dividi-la em alguns bons volumes. Para ele, essa descoberta ganhou mais intonação desde os sete livros do bruxo Harry Potter, no qual presenciou filas espiraladas de fãs em frente à livraria esperando pelo início das vendas de cada novo volume. “Era absurda a situação. Eles não iam se esgotar e nem aumentar ou diminuir o preço. Vi leitores chorando quando avistavam que os livros de uma caixa acabavam”, disse relembrando os momentos. 
Davi assegura que essa febre no Brasil foi agravada em 2008 com o lançamento dos quatro livros da saga “Crepúsculo” de escritora Stephenie Meyer e que trouxe à vida principalmente dos jovens os ex aterrorizantes vampiros e lobisomens. Nessa nova onda, eles são os mocinhos combatendo os ainda existentes sanguessugas do mal. Depois disso, novas tramas foram criadas e publicadas, e a série que está tirando o sono da Carla Monteiro também pertence a esse universo dos dentes caninos afiados.
Carla concorda com Davi ao reconhecer que as séries vampirescas estão sendo mais procuradas pela mulherada sem tanta distinção de idade. Agora sobre outros gêneros, os jovens comandam as compras e chegam a desenvolver e aprender até outro idioma para matar a curiosidade das histórias que ainda não foram traduzidas para o português. 
Então não é de todo o mal escritores prolongarem e aguçarem a imaginação de seus apreciadores, pois está mais do que claro que as grandes sagas estão beneficiando os próprios criadores não só no marketing pessoal, mas também fornecendo um reconhecimento maior do público fazendo-o procurar por outras criações do mesmo autor. Favorece também as livrarias, sebos e qualquer local onde é possível encontrar as edições e assim, esses seguidores transformam o local em um ponto de referência do encontro entre o seu mundo e outro no qual não hesita em se lançar de cabeça. E acima de tudo, e com certeza o mais importante, os leitores, os fãs de pequenos universos impressos em algumas dezenas de folhas, estão em primeiro lugar quando o assunto é aceitação e indicação dos dois anteriores. 
E é assim que pessoas como Carla são tratadas. Totalmente mimadas por todos os envolvidos do ramo desde a criação, publicação até à venda. “Na verdade, eu sei que grandes séries têm que manter um suspense e tudo mais, senão os leitores não iriam atrás e, com certeza, não haveria aquele friozinho na barriga que eu adoro ao saber que daqui algumas semanas o meu mundo ficará um pouco mais completo”. Será que ela se importa com esses mimos?


Matéria no blog do Jornal da UniFieo: Jornal Em Tempo

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