quarta-feira, 13 de abril de 2011

O PAPEL VERSUS A BOBINA


Por Fernanda Fioravanti Machado

Como muitas outras obras da literatura brasileira, “O Enfermeiro” de Machado de Assis publicado em 1896, foi adaptado para o cinema em 1999.  A história se passa em 1860 quando Procópio, rapaz formado em Teologia, vai até uma pequena cidade no interior cuidar do velho, rico, doente e agressivo Coronel Felisberto acabando por sufocar seu rude paciente. 

O conto é todo narrado em primeira pessoa a um interlocutor imaginário, com um foco narrativo no próprio personagem principal e protagonista do enfermeiro. A dramatização ocorre em volta da consciência de Procópio e é agravada ao saber que ele é o herdeiro universal de toda a riqueza do Coronel. O peso da culpa simplesmente lhe invade a vida a cada vez que é reconhecido por sua completa dedicação ao morto. Porém, o remorso do acidente o corrói fazendo com que invista grande parte da riqueza que passou a ter direito, em obras de caridade para assim ter um certo alívio de consciência. 
Com o passar do tempo e dos grandes elogios recebidos, acaba por se auto livrar da culpa e acreditar que o Coronel era uma ótima pessoa e de um coração enorme. Sendo assim, fica a ideia de que na maioria das vezes a atmosfera de valores internos - o enfermeiro cometer um crime - não é sinônimo de valores externos - todos elogiarem sua paciência e dedicação à um velho arrogante. 
E para completar, o narrador ao mesmo tempo que tem a consciência de seu erro, acaba iludindo-se e termina o conto com a frase: “Bem aventurados os que possuem, porque eles serão consolados”. Ela não passa de uma adaptação das Bem-Aventuranças da Bíblia para a questão em si, exemplificando que aqueles que possuem riqueza material não devem se abalar, pois independente de seus feitos na Terra, serão consolados e defendidos pelos que permaneceram e foram ajudados pelos primeiros. 
Ao analisar cada aspecto do conto com a visão da Semiótica, é possível identificar que ele é alinear já que não tem uma sequência cronológica dos fatos. O narrador começa no presente, volta ao passado e depois retorna ao presente novamente. E é dessa forma que tanto o conto escrito quanto o filme é tratado. Também pode-se verificar nas duas formas de representação o Objeto Dinâmico, que é o conto em si, a história passada pelo autor, e o Objeto Imediato, que é o conto na forma escrita e o conto na forma de filme. 
Já o Interpretante Imediato é a capacidade que o conto tem de transmitir algum significado ao seu leitor ou, no caso do filme, a seu telespectador. Ou seja, é passar ao leitor/telespectador a experiência vivida por Procópio em seu um ano que cuidou do Coronel Felisberto. Já o Interpretante em si é a conclusão e a moral que o leitor/telespectador chegou ao final do conto.
Avaliando apenas os aspectos cinematográficos, pode-se afirmar que o lado icônico do filme é caracterizado pela cenografia e pela fotografia que transmite emoção, dramatização, impaciência e frustração do protagonista. O lado indicial é caracterizado pelas expressões e sentimentos aflorados dos personagens. Desde a frustração de Procópio em não conseguir deixar pra trás o Coronel, até o remorso após a fatalidade. Já o lado simbólico é marcado pelo drama, o remorso e o segredo inconfessável do assassinato.
Comparando o filme à Tricotomia de Peirce, avalia-se três estágios. Primeiro a ‘imagem’ do filme é transporta ao telespectador com uma tensão e desconforto superficial de Procópio e a arrogância de Felisberto, mesmo que ele não esteja prestando atenção ao que está assistindo, já que - segundo Peirce - uma ‘imagem’ não precisa ser necessariamente visual, podendo ser acústica, ou háptica. Segundo está relacionado a operações com ‘diagramas’. O diagrama representa todo o contexto fazendo o telespectador entender porque o enfermeiro não conseguiu parar ao sufocar seu paciente e como ele, mesmo assim recebeu a herança. E em terceiro, a ‘metáfora’ que são os efeitos interpretativos produzidos pelas representações relacionadas. Assim que, assiste o conto e reflete sobre ele, chega à diversas conclusões e morais, porém a que mais fica evidente é como pessoas e fatores externos têm tanto poder sobre uma única pessoa, ainda mais quando ela está - de algum modo - fragilizada e esperando por aquela palavra de conforto e ilusão.
Ao decorrer da trama, há referências explícitas à religiosidade ficando claro o papel da Bíblia no protagonista. Desde o início, na primeira noite que passa com o Coronel, o enfermeiro lê um sermão da Bíblia. Após a morte de seu paciente, Procópio manda trazer o padre e logo após vela o morto. Depois que recebe a herança, constrói um túmulo todo de mármore ao Coronel e, por fim, diz: “Se achar que esses apontamentos valem alguma coisa, pague-me também com um túmulo de mármore, ao qual dará por epitáfio esta emenda que faço aqui ao divino sermão da montanha: ‘Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados’ “.
Quanto à classificação da linguagem visual, “O Enfermeiro” se enquadra de forma figurativa, pois representa acontecimentos do mundo real, da forma como podem acontecer com qualquer pessoa, sendo assim, e é de praxe da literatura machadiana, é tratado de maneira concreta, como se fosse um retrato da realidade.
Agora, mesmo que o filme não possa ser comparado a escrita, já que a última possui tantos detalhamentos que é impossível ser expressado em cada cena de uma trama, o filme dá uma realidade mais próxima ao telespectador. O filme consegue transmitir maior calor, maior aproximação e expressão por causa da imagem. Porém delimita a criatividade de quem assiste. 

Ao assistir um filme, a pessoa já recebe uma imagem pronta dos personagens, da fotografia  em segundo plano e de toda a magia que há em qualquer arte.  Já a escrita precisa de um esforço muito maior para conseguir gerar na mente do leitor aquilo que uma simples imagem refletiria em alguns segundos.
Porém, isso é apenas um detalhe para um dos maiores mestres da literatura brasileira, pois ele, mesmo com poucas palavras, sabe estampar em nossa frente tudo o que ele quis dizer, e mesmo assim deixar o leitor livre para criar e imaginar qualquer ambiente, com qualquer cor e qualquer forma. Seus personagens ficam a gosto de quem lê, mas não deixando influenciar no resultado final.
Dessa forma, acredito que primeiramente deve-se ler uma obra e saborear cada detalhe que lhe é proporcionado permitindo que a imaginação e criatividade fluam cada vez mais alto. Somente após o término da leitura, assistir à adaptação. Se fizer o contrário, lerá a obra com imagens prontas na mente, com personagens já classificados e irá desejar - por mais interessante que seja a leitura - pular alguns parágrafos para chegar mais rapidamente a parte de maior tensão. Dessa forma, perde-se alguns detalhes cruciais da trama.

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