segunda-feira, 14 de junho de 2010

olho vivo
Viajante por obrigação, solidário por paixão


Por Barbarah Salles, Bruna Viel, Bruna Vecchiatto, Caroline Brito, Fernanda Machado


Não gosta de viajar e nem de esporte. Prefere ficar em casa a ter que ir para o outro lado do mundo. Sua profissão já é parte inseparável de sua vida. Conheça  mais sobre esse fotojornalista que sempre espera uma surpresa a cada click.


Das Olimpíadas de Pequim aos crimes registrados no Notícias Populares, o paulista Flávio Florido, atual editor chefe de fotografia do site UOL, construiu sua história no fotojorna-lismo através de suas coberturas em grandes shows, como o Radiohead, passando por eventos como o Miss Brasil e o Festival de Música VMB, além do ramo esportivo como a Copa. 
Em seus 16 anos de carreira viajando pelo mundo, Florido - que já morou em Missouri nos EUA e na pequena cidade de Abingdon na Inglaterra - conta nesta entrevista para o OLHO VIVO sua trajetória desde seu incompleto curso de Letras, até promover uma mudança radical na vida de suas pessoas através de seu trabalho.


OV: O que você fazia antes de começar seus estudos na fotografia?
Eu fiz Letras na USP, mas não cheguei a terminar e então comecei a trabalhar como fotógrafo.
OV: Quando começou o seu interesse pela fotografia?
Foi na primeira viagem pra Inglaterra que eu achei que deveria dividir as coisas com os meus amigos e a maneira que eu encontrei foi através da fotografia. Aí comecei a fotografar e quando trouxe pro Brasil as pessoas elogiavam bastante e falavam: que legal as suas fotos, você deveria estudar fotografia. Aí eu fui estudar. 
OV: É bem difícil crescer na profissão de fotojornalista, de ser reconhecido e tudo mais. Pra você, o que foi mais difícil nesse crescimento? 
Bom, eu não me considero conhecido. Eu acho que eu sou como qualquer outro, mesmo muita gente dizendo o contrário. Então eu acho que tudo esta muito ligado na dedicação. Eu sempre fui muito correto, sempre trabalhei muito, e a gente passa a dedicar sua vida a isso. Então primeiro é você saber o que quer e se dedicar e conseguir alcançar um lugar, e depois disso acho que é natural, vem como consequência o reconhecimento. 
OV: O que você acha dos programas de tratamento de foto, os famosos Photoshops?
Isso é uma coisa muito complexa. Porque o ser humano nunca quer ver o que é real. Ele sempre tem uma imagem criada dentro da cabeça, então no jornalismo a gente tem que pensar que isso não pode acontecer, por que você não tem que alterar nada. Pois você já altera com a sua forma de ver, dá um tom pessoal pra foto. Então o bom fotógrafo é aquele que não aparece na foto. E o que acontece sempre comigo é mostrar uma foto e a primeira pergunta é: Você que fez? E isso é muito bom porque tem foto que você olha e você já sabe quem fez, fotos que vocês na vida toda. por exemplo eu já cheguei a fazer cinco mil fotos em um dia só. E agora ainda tem a facilidade da fotografia digital que permite que você faça mais e é bem importante isso. Na minha época era com filme e eu chegava a gastar 100 rolos de filme em uma viagem. 
OV: E teve algum show que você mais gostou?
Ah, eu gostei muito do Sex Pistols. Foi o mais bacana.
OV: Você fez muitas fotos esportivas. Você considera alguma modalidade mais interessante de ser fotografada?
Eu acho que a gente nunca pode estar vinculado a uma preferência. E eu também nunca gostei de esporte. Eu não queria, de maneira alguma fotografar esse campo. Mas eu fui obrigado, porque meu chefe mandou. Ele quis que eu surpreendesse através de uma fotografia nova e que não estivesse com vícios de ter sempre a mesma fórmula. Então essa coisa de você tentar ver as coisas de uma forma diferente é muito interessante e não estipular aquilo que você não gosta. Eu prefiro dizer que eu gosto daquilo que eu não sei o que é, pois isso vai trazer sempre uma surpresa e o que eu espero da fotografia é a surpresa. Porque se você já tem algo pré-estipulado, você não vai tentar achar algo fora daquele padrão. 
OV: E como foi a experiência de cobrir as Olimpíadas de Pequim?
Uma loucura! Porque você não dorme, não come. É dedicação total ao trabalho. E também tem a questão da língua que dificulta um pouco, mesmo eu tendo influência inglesa e não tendo tanta dificuldade assim, mas chinês não fala inglês né? Olimpíada é realmente o mais complicado. Copa nem tanto porque é tudo mais parecido, os horários e tudo mais, mas Olimpíadas você não tem tempo pra nada. É muito cansativo.
OV: E a Copa de 2006?
Foi legal, mas pena que o Brasil perdeu né? (risos)
OV: Mas teve algum momento que você achou mais emocionante, mesmo que não tenha sido em jogo do Brasil?
Ah, o que eu me lembro muito bem foi a vez que a mulher invadiu o treino do Brasil e foi abraçar o Ronaldinho e que eu fiz essa foto - foi bem emocionante. E a vontade de vir embora! Porque normalmente todo mundo gosta de viajar, mas eu acho que sou uma das poucas pessoas que não gostam porque eu vinculo sempre ao trabalho. E eu já conheço praticamente o mundo inteiro, só não fui pra Austrália. E mesmo que eu quisesse curtir, eu não consigo, porque eu fico tão concentrado no trabalho que eu esqueço de ver o resto. Então a vontade de voltar é absurda. Nesses últimos 5 anos, fiquei fora de casa pelo menos um ano inteiro.

OV: E você é corinthiano né?
Graças a Deus! (risos)
OV: Vimos que você fez fotos do Corinthians e da torcida, mas há uma diferença em você estar lá no meio, e você estar de fora, fotografando aquele momento?
Ah, sem dúvida. Existe uma coisa, que chega até ser chato de falar, mas eu não fotografo em situação nenhuma a não ser trabalhando. Eu gosto, claro, de fotografar, mas começa a vincular a coisa com o trabalho e isso não é muito bom. Então quando você está numa situação dessa que parecia ser bom, passa a não ser. Trabalho é claro que e necessário, mas se eu pudesse eu não trabalharia. Show é outra coisa que não consigo curtir porque eu sempre acho que estou trabalhando. Eu nem vou mais porque não me interessa. Fica uma coisa meio chata, então eu prefiro fazer outras coisas que não tenham essa conotação do trabalho.
OV: E você tem vontade de voltar para algum lugar, mas só para curtir e não para trabalhar?
Eu pretendo, mas é realmente difícil porque eu não consigo separar. Agora, por exemplo, eu estou fotografando vocês, mesmo sem câmera! E isso é tempo todo. Você acaba incorporando. É uma coisa involuntária. E tem que se dedicar né, porque a dedicação é através do treino, da repetição, do estudo, e pro fotojornalismo isso é muito importante, pois está ligado à mudança. Você quer mudar alguma coisa que não concorda  e mostrando isso para as outras pessoas podemos ter uma comoção que pode mudar aquilo que não é bom, e eu tento fazer isso. Mesmo sendo difícil, já que sou empregado  de uma empresa que visa lucros, mas quando eu tenho chance eu tento fazer  alguma coisa boa através do meu trabalho. Porque eu me importo com as pessoas, com a situação e quero mudar alguma coisa. E tem duas coisas que eu lembro que aconteceu: mudei a vida de duas pessoas de forma drástica. Uma foi um menino de família pobre que eu fiz uma matéria e na semana seguinte ele ganhou uma casa e o pai dele ganhou um emprego. A matéria saiu na primeira página da Folha e na semana seguinte chamaram ele no Gugu e deu entrevista e tudo mais. E da outra vez foi um menino também que estava desempregado e eu ocupei ele o dia inteiro e na semana seguinte ele conseguiu um emprego. Então esse tipo de coisa não tem preço. Você poder mudar a vida de uma pessoa sem querer nada em troca.
OV: E hoje você tem contado com essas pessoas?
Não, não vi mais. Mas sempre que eu pude, durante um tempo, eu ajudei, então e bem bacana quando você fica sabendo que essas coisas acontecem. E é bem difícil você conseguir fazer isso dentro de uma empresa que tem seus interesses acima de tudo. Então existe edição, publicação que é comandada por pessoas que nem sempre sou eu e conseguir fazer uma coisa dessas é muito bom e se todo mundo conseguisse fazer isso dentro de uma empresa que tem seus interesses acima de tudo. Então existe edição, publicação que é comandada por pessoas que nem sempre sou eu e conseguir fazer uma coisa dessas é muito bom e se todo mundo conseguisse fazer isso seria bem interessante. 
OV: E você pensa que poderia ter seguido outra profissão? 
Na verdade foi por acaso virar fotografo. Nunca imaginei que eu seguiria essa carreira. Aconteceu naturalmente. E só penso que minha vida poderia ser mais planejada, mas talvez eu seria chefe de cozinha, pois é uma coisa que eu gosto muito.
OV: Quem sabe daqui alguns anos?
Ah sim! Talvez um dia, com certeza! 
OV: E você tem alguma dica para os novos fotojornalistas que estão entrando no ramo agora?
Mesmo você tendo que colocar sempre sua profissão em primeiro lugar e deixar de lado uma série de coisas, eu vivi muita coisa que eu jamais viveria porque a profissão me permitiu. Eu não teria viajado tanto quanto eu viajei, situações que eu só tive acesso por causa da minha profissão. Você vive coisas que você nunca pensaria em viver.E a maior dica é a dedicação. Se entregar realmente pro que faz. E uma coisa que também é muito importante é criar referencias, ver fotos. Eu diariamente vejo uma média de cinco mil fotos. E faço isso há 16 anos. Dessa forma você começa a entender as coisas de maneira diferente. E além de tudo você vai tirar uma coisa sua, e que claro, nada se cria, tudo se copia, mas uma coisa particular vai surgir com o tempo.



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